Livre concorrência é ameaçada com restrição de investidores no leilão do novo terminal de contêineres do Porto de Santos

Projeto é chave para a logística nacional de transporte e para o futuro do comércio internacional brasileiro.
O Porto de Santos está diante da oportunidade de, definitivamente, se consolidar como um hub portuário de contêineres, a partir da licitação de um novo terminal que permitirá suprir as necessidades de curto prazo de ampliação da capacidade portuária para cargas conteinerizadas no Complexo Portuário de Santos.
Para o leilão, batizado de Tecon Santos 10, esperava-se uma competição com participação dos maiores grupos mundiais do setor. O interesse existe e é grande. Porém, uma proposta restritiva à participação de quatro dos maiores grupos investidores do mundo em operações portuárias de contêineres, apresentada pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários, ANTAQ, trouxe grande insegurança a esse investimento tão importante para o desenvolvimento nacional.
Na minuta da Agência para as regras do futuro edital, expressas na Nota Técnica 51/2025 — alvo de críticas por especialistas e usuários do setor — estão excluídos do leilão as empresas que já operam terminais de contêineres no Porto de Santos. Somente na hipótese do chamado “leilão zero” na primeira etapa, ou seja, caso não apareçam interessados, é que a participação dos atuais operadores estaria liberada em uma espécie de segunda chamada.
O entendimento da ANTAQ é de que a vitória de algum deles aumentaria a concentração de mercado e poderia prejudicar o interesse dos usuários. Esse raciocínio, sem respaldo numa análise técnica mais aprofundada para aferir o grau de futura concentração, mostra um dos equívocos da agência reguladora.
No desenho dos cenários futuros de mercado, outra falha, quando ficam fora das análises os projetos de novos terminais em portos que concorrem com o porto santista e projetos já aprovados pelo Governo no próprio Porto de Santos e no Estado de São Paulo. Tais erros fundamentais, avaliam especialistas, abrem caminho para que as empresas excluídas pela Nota Técnica 51/2025 recorram aos tribunais, medida que manteria paralisada a expansão da capacidade operacional, tão urgente para o Porto de Santos.
Há muito em jogo no esperado leilão. Atualmente, o setor produtivo brasileiro enfrenta um enorme gargalo no comércio nacional e internacional que passa pelo Porto de Santos. Isso porque o projeto do novo terminal já se arrasta há mais de 5 anos e a falta de capacidade no porto vem elevando as filas de um período de 9 horas, em 2019, para mais de 53 horas, em dezembro de 2024.

Com um orçamento inicial girando acima dos R$6 bilhões, o Tecon Santos 10 está projetado para alcançar a efetiva capacidade de movimentação de, no seu volume máximo, 3,5 milhões de TEUs — unidade equivalente de contêineres de 20 pés. Apesar do entendimento de especialistas de que essa estimativa está superdimensionada, o setor produtivo conta com essa capacidade para eliminar seus gargalos com a máxima urgência.

Considerando-se o lado do desenvolvimento social, estima-se, ainda, que serão criadas oportunidades de empregos diretos para mais de 3 mil profissionais durante as obras, que devem correr ao longo de seis a nove anos.
Sem permitir a participação dos maiores operadores do mundo que já atuam no Porto de Santos, entretanto, a perspectiva de maior capacidade operacional e modernização nos terminais fica ameaçada com a judicialização dos termos da Nota Técnica 51/2025 e por uma potencial escolha aquém do ideal, o que pode jogar contra o cronograma de instalação plena, prevista para 2034.
Para que o leilão tenha segurança jurídica e garanta o interesse dos principais investidores, nacionais e estrangeiros, é fundamental que o processo licitatório seja regido pela livre concorrência, sem restrições, e permita que os operadores instalados no porto santista possam também participar, com cada qual oferecendo seu melhor lance em prol do porto, dos usuários e dos demais stakeholders, sempre demandantes de eficiência e qualidade logística no comércio exterior.
Transparente, livre e célere, fase única é a escolha pelo Brasil
O Brasil, mergulhado no esforço de maior inserção em novos mercados internacionais, não pode perder o timing de fazer uma aberta, transparente, irrestrita e concorrida competição que inclua necessariamente os maiores, mais modernos e eficientes operadores de terminais do mundo. A restrição à participação de atuais players do Complexo Portuário de Santos, como sugere a ANTAQ, se constitui num obstáculo desnecessário e contraproducente, jogando, em última instância, contra os brasileiros.
Neste momento, o Tribunal de Contas da União (TCU) avalia a minuta da ANTAQ — a expectativa é de que o edital seja publicado em setembro próximo e o leilão ocorra até o fim de 2025 —, e crescem os debates e os argumentos contra o artifício da concorrência em duas etapas que se traduz, na prática, na exclusão dos operadores já atuantes no Porto de Santos.
Amplia-se, ainda, o entendimento do setor de que, com o leilão em única etapa e as mesmas disposições que a ANTAQ sugere para a segunda chamada, o processo concorrencial poderia eliminar a hipótese de concentração de mercado. Porque o vencedor, no caso de ser investidor já instalado em Santos, se comprometeria a se desfazer do controle acionário do atual negócio.
Atenta à importância econômica e concorrencial do projeto Tecon Santos 10, a SEAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico), do Ministério da Fazenda, enviou ao TCU e à própria ANTAQ parecer técnico sugerindo que o leilão passe a ser realizado em uma única etapa, com participação de todos os interessados, e com desinvestimento das empresas incumbentes — ou seja, que estão operando no porto —, mirando eventuais riscos de concentração de mercado. Classificando a restrição da minuta da agência reguladora como “extremamente gravosa” por ultrapassar o necessário para mitigar o risco de concentração, a SEAE também avalia que o modelo sugerido a princípio pela ANTAQ pode estimular uma chuva de processos judiciais, atrasando mais uma vez a ampliação da capacidade portuária e aumentando o gargalo logístico caótico já formado.
Apoio à livre concorrência ganha força
Preocupadas com o futuro imediato do porto santista, no final de maio deste ano, cinco entidades divulgaram uma Carta Aberta com posicionamento contrário a qualquer tipo de restrição aos participantes no leilão do Tecon Santos 10.

Com o peso institucional da Frente Parlamentar de Portos e Aeroportos (FPPA), da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo (FPBC), da Associação Comercial de Santos (ACS), do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) e do Instituto Brasileiro de Infraestrutura (IBI), o documento reforça a defesa de “uma licitação isonômica, transparente, célere e sem restrições à participação dos investidores interessados”.
Lembra que “a situação agrava o cenário de colapso operacional que se tornou cotidiano para aqueles que dependem da movimentação de cargas em suas instalações” e que, enquanto permanecem as discussões — inclusive com possibilidade de medida judicial —, a economia brasileira sofre diariamente os “impactos da inércia”.
A expectativa é que a Corte de Contas cumpra o seu papel pela isonomia e transparência do leilão, corrija as distorções do parecer da ANTAQ e determine os ajustes necessários para que o leilão do Tecon Santos 10 ocorra sem restrições.
Políticas públicas em debate: Porto Livre Brasil
Na busca pela ampliação do conhecimento sobre o setor portuário e com objetivo de trazer setor produtivo, agentes públicos, especialistas, acadêmicos e prestadores de serviço para discutir políticas públicas voltadas para o porto, o Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos – CE Brasil, dedicado à pesquisa e estudos em setores econômicos, abraçou a iniciativa do debate desencadeado com a licitação do Tecon Santos 10.
Com o lançamento do portal Porto Livre Brasil e os desdobramentos nas redes sociais, o CE Brasil espera reunir um conjunto de estudos, reportagens e informações técnicas para ampliar e qualificar o debate voltado ao setor de logística, principalmente no setor portuário.
O CE Brasil conta também com um núcleo temático para discutir o setor de infraestrutura portuária, aprofundando estudos e contribuições no modelo think tank, com o objetivo de propor políticas para estimular investimentos e iniciativas de longo prazo focados no desenvolvimento socioeconômico brasileiro.

Estudo aponta mais competitividade com fase única em leilão para o novo terminal do Porto de Santos
Análise de especialista internacional reforça que competição por cargas conteinerizadas vai além dos limites do porto santista, em disputa com os portos do Espírito Santo, Rio, Santa Catarina e Paraná
Enquanto o Tribunal de Contas da União (TCU) avalia a proposta da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, para o edital de licitação do novo terminal de contêineres do Porto de Santos, o Tecon Santos 10, crescem os argumentos para que o leilão ocorra sem a atual restrição da participação de investidores que já operam no complexo portuário santista.
Análise apresentada recentemente em trabalho do professor Peter W. de Langen, especialista internacional com grande conhecimento do cenário brasileiro, mostra que os efeitos positivos da participação dos maiores operadores mundiais no leilão foram subestimados, enquanto, por outro lado, o cenário de concentração de mercado, superestimado.
De acordo com os estudos de Langen, a indicação para excluir participantes no leilão só se aplicaria caso existisse um monopólio no Porto de Santos. E, ainda assim, que não houvesse competição entre portos adjacentes e barreiras altas para novos entrantes, fatores que definitivamente não são a realidade do porto santista.
“Os potenciais efeitos positivos de se permitir a participação dos incumbentes nas licitações merecem mais atenção. Deixar uma maior concorrência provavelmente resultará em propostas financeiras e técnicas melhores”, aponta de Langen.
E essas são altamente relevantes, pois permitem que a Autoridade Portuária de Santos (APS) invista em serviços que aumentem a produtividade do complexo e que a escolha se dê pela proposta com maior apetite ao investimento no novo terminal.
De Langen, estudioso nas áreas de logística e competitividade no setor portuário mundial, também avalia a alternativa de desinvestimento por parte do vencedor, em caso de vitória de algum incumbente. “O próprio relatório técnico da ANTAQ inclui essa opção, com um resultado claro e intuitivamente direto: sob essa regra, independentemente de um incumbente ou um entrante vencer, haverá sempre quatro operadores diferentes nos quatro terminais distintos. E, consequentemente, a concentração de mercado será a mesma, ou seja, não há efeito de redução ao conceder a licitação a um entrante.”
Premissa da ANTAQ não considera concorrência interna
O estudo do professor de Langen questiona a premissa considerada na minuta da ANTAQ para definir o Mercado Relevante do Porto de Santos —aquele em que o porto é competitivo na área de influência atendida. A Agência considera que a concorrência é restrita ao próprio porto, abordagem que não está em conformidade com as decisões concorrenciais em outros lugares do mundo. O autor argumenta que o porto paulista efetivamente compete com outros portos como os do Rio de Janeiro, Paranaguá, Santa Catarina e até do Espírito Santo. Isso ressalta a relevância da concorrência interportuária.
Para Langen, o encaminhamento da ANTAQ superestima a concentração e leva a conclusões errôneas sobre o perfil do cenário concorrencial.
“Os terminais em Santos claramente enfrentam a competição de terminais em outros portos próximos; ignorar isso na análise de concentração leva a uma visão distorcida da real intensidade da concorrência.”
Montar um porto hub requer expertise
A ampliação do Porto de Santos, atualmente o maior e mais importante complexo portuário da América Latina, já vem sendo discutida há muitos anos. Entraves diversos, técnicos e políticos, no entanto, adiaram o sonhado leilão. A empreitada é grande. Envolve, inclusive, credenciar o complexo paulista como um porto hub, ou seja, um terminal de grande porte que serve como ponto central para o transbordo de cargas, atuando como um elo entre rotas marítimas principais (longo curso) e secundárias (trajetos de média distância marítima adjacentes).
Em vez de navios de grande porte fazerem escalas em vários portos menores, eles atracam no porto hub. Nesse, a carga é redistribuída para navios menores que a levam para outros destinos regionais. Tal modelo, visto como tendência global, otimiza as rotas, reduz custos logísticos e agiliza o fluxo de mercadorias, tornando o comércio mais dinâmico e qualificado, e dando garantias aos exportadores e importadores.
Na realidade, a falta de capacidade de movimentação de contêineres no Porto de Santos vem aumentando o tempo de espera das embarcações e contribuindo para os atrasos de navios e alterações de escalas, impactando na movimentação de contêineres em vários mercados.
A expectativa de toda a cadeia de comércio exterior é de que o player vencedor do Tecon Santos 10 consolide investimentos em tecnologia de ponta e em novos equipamentos, com a redução do tempo de espera dos navios, agilidade no carregamento e descarregamento de contêineres e, principalmente, a redução dos custos operacionais, levando aos consumidores produtos mais em conta.
Ao se observar os portos mais importantes do mundo, como os asiáticos Xangai e Singapura, por exemplo, ficam evidentes sua escala grandiosa e operações coordenadas. Movimentar milhões de contêineres por ano dá a esses portos expertise para realizar investimentos de grande porte nesse tipo de infraestrutura, como aprofundar canais e instalar guindastes inteligentes.
Esse cenário é fundamental para receber os maiores navios porta-contêineres, verdadeiros símbolos da busca incessante por economia de escala em logística mundial. Portos que não se adaptam perdem importância no cenário global. O Porto de Santos e o País merecem que a escolha se dê com a inclusão dos maiores investidores mundiais nesse tipo de atividade.
Porto de Santos é o ideal para ser hub
Fazer frente aos novos modelos de transporte, com navios cada vez maiores, requer mais do que planejamento e investimentos: requer vocação.
E o Porto de Santos já representa:
40% da movimentação nacional de contêineres
50% dos transbordos
O ajuste da oferta de capacidade portuária e de maior eficiência para atendimento a uma área de influência que concentra grande parte da produção industrial brasileira é urgente e estratégico para o desenvolvimento nacional.
Setor portuário brasileiro não para de crescer
O setor portuário brasileiro tem alcançado novos recordes ano após ano, segundo informam estatísticas divulgadas pela ANTAQ. No ano passado, a movimentação de cargas nos portos do País atingiu a histórica marca de 1,32 bilhão de toneladas. Tal performance é especialmente relevante porque cerca de 95% de todas as exportações brasileiras passam pelos portos voltados para o oceano Atlântico.
Em operações exclusivamente no emprego de contêineres, o Brasil também alcançou um patamar inédito no último ano, somando 153,3 milhões de toneladas movimentadas, um impressionante aumento de 20% na comparação a 2023. A expectativa da ANTAQ avalia que esse crescimento continue, projetando uma movimentação de 1,49 bilhão de toneladas totais (carga geral e carga em contêiner) para os portos nacionais até 2029.
Fontes:
– Estudo da A&M Infra e APM Terminals, 2024 https://www.sindaport.com.br/conteudo-pesquisa.php?id=29287
– Porto de Santos, Plano de Desenvolvimento e Zoneamento https://www.portodesantos.com.br/wp-content/uploads/PDZ.pdf
– Governo Federal, Notícias sobre investimentos no Porto de Santos, 2024 https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/noticias/2024/03/com-investimento-recorde-porto-de-santos-tera-aporte-de-r-12-6-bilhoes-para-os-proximos-quatro-anos