Ministério de Portos fica isolado em defesa da restrição de concorrentes no leilão do Tecon Santos 10
Segundo especialistas, bloqueio de empresas pode gerar perdas bilionárias e provocar prejuízo aos usuários do Porto de Santos.

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Brasil pode perder R$13,4 bilhões anuais sem a ampla concorrência
A nota técnica do Ministério de Portos e Aeroportos (MPOR) divulgada no dia 26 de setembro ficou isolada na defesa do leilão do Tecon Santos 10 em duas fases. Posicionamentos contrários já emitidos pelo Ministério da Fazenda, pelo gabinete do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) receberam o reforço da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU).
No texto, a área técnica do TCU aponta que as restrições adotadas pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e pelo MPOR violam os princípios constitucionais da isonomia e da proporcionalidade, baseando-se em riscos hipotéticos, sem evidência técnica suficiente para barrar a participação na disputa de empresas que já operam no porto.
O edital inicial restringe a participação dos atuais incumbentes no certame, permitindo que eles disputem apenas em uma segunda etapa do processo licitatório. Os auditores da AudPortoFerrovia (auditoria especializada em infraestrutura portuária e ferroviária) sugerem ao ministro Antonio Anastasia, relator do processo no órgão de controle, que determine um leilão em etapa única e sem vedação aos atuais operadores dos terminais em Santos. Se as sugestões forem aprovadas, o edital terá que ser modificado.
Os dois órgãos seguem isolados no debate, mas ainda não formalizaram uma mudança de interpretação do processo licitatório. A nota técnica do MPOR do dia 26 manteve as restrições apresentadas pela ANTAQ e preocupou os especialistas do setor.
“As restrições prejudicam a eficiência e a movimentação, trazendo uma redução direta no fluxo de riqueza no país”, afirma o advogado Cássio Lourenço, sócio da Lourenço Ribeiro Advogados e especialista no setor portuário. “Elaboramos e submetemos ao TCU um estudo que estima R$13,4 bilhões anuais de perda de arrecadação tributária caso o leilão não permita armadores ou incumbentes. A ordem de grandeza é de uma reforma do IOF ou do Imposto de Renda”, declara.
“A nota do Ministério de Portos é extremamente preocupante. Não traz nenhum dado, nenhuma evidência, nenhuma fundamentação”, prossegue o advogado. Lourenço também estranhou o fato de a nota da Secretaria de Portos citar questões geopolíticas e experiências internacionais em apoio à posição pelo impedimento de lances dos incumbentes. “A experiência internacional é o exato oposto do que alegam, pois a escala colossal e as operações frequentemente concentradas ou altamente coordenadas são a norma”, complementa.
O executivo Eduardo Heron, diretor técnico do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), endossa as palavras do sócio do escritório Lourenço Ribeiro Advogados. “Tenho conversado com os exportadores de açúcar, de algodão e de outros setores dependentes de logística eficiente e posso garantir que todos estão muito preocupados com essa posição estranha do ministério”, atesta.
O executivo prefere não entrar no debate arrecadatório da outorga. A preocupação dele é econômica, voltada à carga de café e outras mercadorias.
“A insistência no modelo de licitação apresentado, se mantido, levará à judicialização e ao atraso dos cronogramas. Queremos que esse processo licitatório ocorra ainda neste ano. Se houvesse o alegado risco concorrencial numa participação ampla e de todos os interessados, nós, usuários, seríamos os primeiros a apontar. Porque nossa maior preocupação é ter capacidade dos portos na exportação”, resume Heron, lembrando que o Cecafé reúne 120 associados e representa 96% do volume de café exportado pelo Brasil.
Para o especialista em engenharia de transportes e sócio da Neowise Consultoria, Luís Montenegro, os argumentos divulgados pela Secretaria de Portos não apresentam fundamentos ou comparativos. “A nota técnica se choca com as posições já expressas pelo CADE, pelo Ministério da Fazenda, pelo chefe de gabinete do MDIC, Pedro Guerra, e até mesmo do corpo técnico do TCU. O lamentável é que coloca em dúvida a capacidade da própria ANTAQ e do CADE em coibir e corrigir eventuais problemas concorrenciais posteriores à licitação”, aponta Montenegro.
“E quais são os riscos geopolíticos embutidos para vedar a participação dos atuais operadores do Porto de Santos? Essa análise de risco vai incluir também a proibição de participação de estatais e fundos soberanos de outros países?”, questiona o consultor. “Todo esse processo alimenta uma imensa insegurança jurídica.” Segundo Montenegro, o papel do TCU torna-se ainda mais importante neste momento. “Caberá ao Tribunal de Contas ser o guardião de processos licitatórios transparentes e isonômicos e em benefício das contas públicas e investimentos do Estado”, diz.
Ele também rebate a posição da pasta de que a decisão pela restrição parte de uma premissa de política pública. “Política pública expressa em qual normativa legal? Qual lei, portaria, decreto definem que desta licitação não podem participar os investidores interessados? E qual usuário defende a exclusão? Qual interesse público? Até agora, nenhum”, completa.
Nota técnica do CADE se opõe ao entendimento da Secretaria de Portos
Por sua vez, a manifestação enviada pelo CADE, em questionamento feito também pelo TCU, revela que não existem riscos concorrenciais explícitos que justifiquem, no edital de licitação do Tecon Santos 10 do Porto de Santos, a exclusão das empresas que já tenham terminais no local, conforme o texto do edital de licitação publicado pela ANTAQ.
De acordo com a modelagem do edital, na primeira etapa do certame só poderão apresentar propostas empresas que ainda não tenham negócios em Santos. “A nota técnica do CADE a respeito do novo Tecon Santos 10 afirma expressamente que, nas atuais circunstâncias, inexistem problemas concorrenciais que justifiquem a exclusão de atuais operadores do Porto de Santos”, enfatiza o advogado Luiz Hoffmann, sócio do escritório Almeida Prado e Hoffmann Advogados e ex-conselheiro do CADE.
O desinvestimento – obrigatoriedade para que, caso algum player que já opera em Santos vença a concorrência, abra mão de ativos que já possui no local – também não é visto como solução pelos especialistas. “Existem formas mais eficazes para se desenhar esse leilão. Não faz sentido estabelecer restrições por questões específicas. Estamos falando de um investimento de médio prazo, que não gera incremento de capacidade nos primeiros anos. Se houver algum tipo de indicativo de concentração, haverá tempo para se corrigir”, avalia o professor de direito concorrencial e de regulação da FGV Carlos Ragazzo.
Para Ragazzo, está se debatendo muito a questão de Santos e pouco sobre as vantagens de ter o máximo de participantes possível no leilão, inclusive os atuais operadores. “As empresas que já estão em Santos conhecem o local e as necessidades da operação, o que pode permitir um investimento de melhor qualidade. É bom lembrar que um porto é um hub de exportação e importação de diversos produtos, como café, soja e carne. Temos que levar em conta também quem poderá realizar investimentos com melhor qualidade”, complementa o professor da FGV.
Para acessar a Carta Aberta de apoio à liberdade de concorrência e investimentos, acesse aqui: www.portolivrebrasil.com.br
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Veja como foram as manifestações das instituições em relação à ampla participação no leilão do Tecon Santos 10:

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